“Quem criou essa palavra ‘analfabetismo’? Porque para mim ela não existe. Para mim não existe analfabeto, existe uma pessoa desinformada na leitura”, é o que acha Francisco Reinaldo Tavares, 45, que é guardador de veículos na Praça do Ferreira e circense em artes cênicas. Ele conta que nunca aprendeu a ler e escrever, além do seu nome, mas isso não o impede de seguir na carreira artística.
No Ceará, quase 1 milhão de pessoas vivem a mesma realidade de Francisco. São pessoas que, com 15 anos ou mais, não sabem ler e escrever uma carta simples. O número é equivalente a 14,1% da população, o dobro da média nacional que é 7%, segundo o último Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado é um contraste com a alfabetização na idade certa, que coloca o Estado em posição de destaque nacional, ficando acima da média de todo país, a exemplo do ocorrido em junho deste ano.
A alfabetização na idade certa deve acontecer segundo a legislação até o 2º ano do Ensino Fundamental. Entre os municípios cearenses, Fortaleza tem a menor taxa de analfabetismo, com 5,6%, um total de cerca de 150 mil pessoas não sabem ler ou escrever na Capital. Em seguida, vêm Eusébio com 5,6%, Maracanaú com 7,2%, Caucaia com 8,4% e Pacatuba com 8,6%. Segundo os mesmos dados, os municípios com as maiores taxas de analfabetismo são do Interior do Estado: Quixelô com 29,1%, Granja com 29%, Aiuaba com 28,3%, Salitre com 28,2% e Barroquinha com 27,8%.
Pacatuba, que tem a quinta menor taxa de analfabetismo, foi procurada pela reportagem, mas não houve retorno. A Secretaria de Educação de Barroquinha, que tem a pior taxa, também foi procurada, mas os e-mails enviados retornaram à redação como não localizados. Questionado pelo O Estado sobre seus dados mais atuais, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que sua base de informações são os números do Censo 2022 do IBGE, os mesmos usados pela reportagem.
Como driblar
Mauro Regis, 36, conta que a falta de estímulo o fez largar os estudos na quarta série. “Eu ia para o colégio somente para brincar e merendar. Não tive o incentivo que precisava para continuar”, relembra. A evasão escolar é um dos principais desafios, principalmente no Ensino Médio. Segundo estudo realizado pela Unicef, entre 2016 e 2019, mais de 11 mil crianças e adolescentes abandonaram os estudos no Interior do Ceará.
No Brasil, ao todo, 480 mil estudantes do Ensino Médio largaram a escola e 9 milhões não concluíram a etapa escolar, conforme o IBGE. Foi a partir desses dados que o Governo Federal decidiu criar o programa Pé-de-meia, que ajuda financeiramente estudantes de Ensino Médio, tanto no ensino regular quanto na Educação de Jovens e Adultos (EJA). No programa, o estudante recebe depósitos mensais no valor de R$ 200, além de um bônus por concluir cada ano e participar do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Segundo a Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), o Programa Brasil Alfabetizado (PBA) foi retomado no Estado com o compromisso de alfabetizar jovens, adultos e idosos. “Em 2024, o Ceará deu início ao Programa com 70 turmas distribuídas em todas as regionais que compõem o estado. São 1.050 estudantes em situação de analfabetismo que terão a oportunidade de aprender a ler e a escrever. As aulas acontecerão entre os meses de agosto a dezembro”, afirma a pasta em nota.
Quando perguntada sobre a taxa de evasão escolar, a Seduc se limitou a informar dados do Ensino Médio, que são de 2,1%, não deixando claro se o número é de todo o Estado ou somente da Capital. A reportagem questionou também se existe algum estudo que explique o porquê desse grupo não concluir a alfabetização, mas não houve resposta. A Secretaria Municipal de Educação (SME) de Fortaleza também foi procurada, mas não houve retorno até o fechamento deste conteúdo.
Principal dificuldade
Para Francisco, sua principal dificuldade é na hora de receber mensagens de texto. “A dificuldade que você tem é de precisar ler uma mensagem. Só isso, que querendo ou não, tem a dificuldade”. Em razão da limitação, Francisco se comunica na maioria das vezes por áudio. O impedimento também vivenciado por Reinaldo, contudo, não o impede de seguir a carreira artística. Reinaldo é ator e circense. Ele participa de filmes independentes e realiza apresentações na Praça do Ferreira.
A rotina de trabalho e o cansaço é o que adia o retorno de Régis à escola, conta. “Às vezes, eu quero voltar, para saber pelo menos ler, porque é difícil, às vezes sinto muita falta, eu quero tirar uma carteira de habilitação e não posso. Eu não volto porque chego cansado em casa […] Eu só sei até metade do alfabeto. Meu nome eu só sei olhando para o papel, porque eu não sei de cabeça, quando vou assinar um documento só coloco Mauro. Eu peço para uma pessoa ler para mim e respondo ela por áudio”. (Por Mariana Freitas, estagiária sob supervisão de editores)