O mês de junho chega e com ele o cheiro da canjica, o som da sanfona, o colorido das bandeirinhas e o calor das fogueiras. Mas, em meio a tudo isso, uma discussão tem ganhado cada vez mais força: até que ponto o São João ainda representa a essência da cultura nordestina?
Artistas, produtores e amantes da música tradicional vêm protestando contra a descaracterização das festas juninas. O motivo? A avalanche de atrações contratadas por prefeituras e governos estaduais que, segundo eles, não têm nenhuma ligação com a tradição do forró ou da cultura popular nordestina.
Uma festa que pede raízes, não modismos
O São João é muito mais do que uma grade de shows — ele é uma expressão viva da cultura popular, onde o forró, o xote, o baião e o arrasta-pé contam histórias, embalam danças e conectam gerações.
No entanto, o que se vê em muitos municípios é a substituição de artistas locais por nomes do sertanejo universitário, do piseiro e até de estilos completamente fora do contexto junino, como o pop e o funk. Tudo isso com altos cachês, bancados com recursos públicos, em detrimento de artistas da própria região.
Vozes que defendem a tradição
A reação dos artistas tradicionais não demorou. Nomes consagrados e representantes da cultura popular vêm levantando a voz em defesa do São João autêntico.
Alcymar Monteiro, um dos grandes ícones do forró nordestino, foi direto:
“O São João não é lugar para festival de horrores. Estão matando a cultura nordestina em nome de contratos milionários com artistas que nada têm a ver com nossas tradições.”
Chambinho do Acordeon e Elmo Oliveira, criadores da campanha “Devolva Meu São João”, também têm se manifestado. O movimento propõe a valorização do forró pé-de-serra e dos artistas locais, denunciando a marginalização desses nomes nas grandes festas promovidas com dinheiro público.
A cantora paraibana Gitana Pimentel reforçou em entrevista que o forró deve ter protagonismo no período junino:
“A gente canta o que vive, e o que vivemos em junho é tradição, sanfona e poesia. Isso não pode ser engolido pelo modismo.”
Rômulo Santaráy, cantor cearense que também engrossa o coro dos protestos, tem usado as redes sociais para alertar sobre a invisibilidade de artistas genuínos:
“O São João é o palco da alma nordestina. Quando a gente troca tradição por tendência, a gente perde a essência.”
Quando o investimento não valoriza a cultura
Em várias cidades nordestinas, o desequilíbrio nos investimentos em cultura é gritante. Um levantamento em Aracaju, por exemplo, mostrou que mais de R$ 7 milhões foram destinados a artistas de fora, enquanto artistas locais receberam menos de 6% desse valor.
Além disso, dados do ECAD revelam que metade das prefeituras do país não paga os direitos autorais pelas músicas tocadas nos festejos juninos, prejudicando os compositores que alimentam a alma do forró.
Shows milionários, cultura esquecida
O debate vai além da música: muitos artistas e produtores questionam os valores exorbitantes pagos a atrações “de fora”, enquanto grupos regionais lutam por espaços e recebem cachês modestos ou sequer são contratados.
Em redes sociais e fóruns digitais, internautas também comentam a distorção:
“Gastar 500 mil com uma dupla sertaneja em uma cidade que mal tem saneamento é brincar com o dinheiro público.”
“Poderiam contratar 40 bandas locais com esse valor. Todos ganhavam, inclusive o povo.”
O que pode (e deve) mudar
A defesa da cultura tradicional não é um ataque a outros estilos musicais. Trata-se de respeitar o contexto. O São João é um dos maiores patrimônios culturais do Brasil, e a sua programação deve priorizar quem carrega essa identidade:
Conclusão: o São João pede respeito
A luta não é apenas dos artistas — é de todos que valorizam a cultura do Nordeste. Não se trata de nostalgia, mas de identidade. O São João pede respeito às suas origens, aos seus ritmos e à sua gente.
Como bem sintetizou Alcymar Monteiro:O forró não pode ser pano de fundo. Ele é a alma da festa. Sem ele, o São João vira apenas mais um show — e o povo nordestino merece muito mais que isso.